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Quando comecei este blog, pensei em escrever um texto triunfalista sobre a crise dos alimentos. Triunfalista porque logo saltou-me aos olhos a relação entre o aumento dos preços e as medidas propostas pelo ecologismo em moda, como a limitação preservacionista das áreas plantadas, os biocombustíveis, a proibição dos trangênicos, a agricultura "orgânica", etc. Além disso, há a questão dos subsídios. Na OMC, tradicionalmente, sempre houve uma divisão em dois blocos claros: de um lado, os países - ricos ou remediados - com grande área agriculturável, como Brasil e Estados Unidos*; de outro, os países europeus, onde a agricultura já não faz mais sentido economicamente e sua preservação tem finalidades sócio-culturais, juntamente com países realmente pobres, especialmente africanos, que se beneficavam com a redução dos preços. Porque subsídios são isto: uma estímulo artificial ao aumento da produção, uma pseudo-redução dos custos, que, naturalmente, tende a fazer baixar os preços - e justamente por isso incomoda tanto os produtores.
E eu perguntaria no final: qual será o resultado dessa clivagem na ideologia do politicamente correta? Vaticinaria que a Europa continuaria preservacionista, defendendo a pequena propriedade tradicional, que produz menos, mas com uso mais intenso de mão-de-obra e maior valor agregado; já os países pobres e os exportadores de alimentos uniriam-se exigindo mais comida, e ponto final. Pois bem: como eu disse, pensei em escrever, mas não escrevi. Achei as conclusões evidentes demais. Já devia saber que o triunfo do óbvio jamais pode ser dado como certo, e que a pugna em favor da tautologia não deve cessar nunca.
Eles começaram bem: criticando os biocombustíveis. Era uma crítica fácil, bastava fazer coro ao que Chávez e Fidel vêm dizendo já há alguns anos - pensando em seus lucros com o petróleo, claro, não em uma crise de alimentos que ninguém antevia. Mas era um bom começo, e tinha algo de verdade. Diversamente do que pode ocorrer com o milho, a produção de etanol de cana-de-açúcar, com o conseqüente aumento no preço da cachaça e da rapadura, jamais gerará hordas de famigerados. Mas há um limite intransponível. Pode-se ainda aumentar muito a produção agrícola brasileira com o incremento da técnica, mas, em algum momento, chegaremos a um brete malthusiano: ou alarga-se a área plantada, ou estagna a quantidade produzida - ou, ainda, avança-se mais sobre a amazônia e o cerrado. Hoje, de fato, é burrice dizer que o etanol brasileiro seja uma causa relevante da crise - e o mesmo vale para o americano. Mas imaginem o que ocorrerá se for implementado o projeto de substituição da matriz energética subjacente à idéia de biocombustíveis. Cada ser humano motorizado, consumidor de luz elétrica, de aquecimento e de produtos industriais, precisará extrair da terra cem vezes mais calorias que atualmente.
A segunda bobagem do discurso atual é o que se diz dos subsídios. Extrapola-se para a agricultura um raciocínio cabível na produção industrial: os subsídios atuam como uma forma de dumping, reduzindo os preços e inviabilizando a produção nos países menos desenvolvidos; quando o produto escasseia e os preços sobem, não há estrutura nesses países para aumentar a produção em tempo hábil. Só que a agricultura exige investimentos significativamente menores e instituições mais simples que a indústria, e dá retorno muito mais rápido. Havendo o estímulo, pode-se elevar a produção no espaço de uma safra, ressarcindo-se o capital em poucos anos. Se isso não ocorre, é porque os subsídios nunca foram o problema.
Um diagnóstico errado acarretará inevitavelmente soluções estúpidas. Na Argentina, poríbem-se as exportações e os agricultores fazem greves e piquetes. Na Bolívia, a mesma medida criou uma nova rota de contrabando e um novo ramo na atividade criminosa: o tráfico ilícito de alimentos (para solucionar o problema o governo de Evo Morales teve que criar mais não sei quantos postos militares de fronteira). E no mundo inteiro são tomadas medidas semelhantes. A maioria dos países respodeu ao crash de 29 com protecionismo: deu no que deu. Alguém disse que para todo problema complexo há uma solução simples - e errada. Discordo. Há sempre uma solução baseada na força e outra, em estímulos - essa coisa a que os detratores chamam "mercado". A última - e correta - é bastante simples quando se olha bem.
* Os Estados Unidos têm uma posição ambígua: contra os subsídios europeus, a favor dos próprios. Além disso, há um forte debate interno entre os produtores que recebvem os subsídios e os contribuintes que pagam por eles. O caso do milho foi emblemático: o congresso aprovou, Bush vetou e o congresso derrubou o veto.
Quando comecei este blog, pensei em escrever um texto triunfalista sobre a crise dos alimentos. Triunfalista porque logo saltou-me aos olhos a relação entre o aumento dos preços e as medidas propostas pelo ecologismo em moda, como a limitação preservacionista das áreas plantadas, os biocombustíveis, a proibição dos trangênicos, a agricultura "orgânica", etc. Além disso, há a questão dos subsídios. Na OMC, tradicionalmente, sempre houve uma divisão em dois blocos claros: de um lado, os países - ricos ou remediados - com grande área agriculturável, como Brasil e Estados Unidos*; de outro, os países europeus, onde a agricultura já não faz mais sentido economicamente e sua preservação tem finalidades sócio-culturais, juntamente com países realmente pobres, especialmente africanos, que se beneficavam com a redução dos preços. Porque subsídios são isto: uma estímulo artificial ao aumento da produção, uma pseudo-redução dos custos, que, naturalmente, tende a fazer baixar os preços - e justamente por isso incomoda tanto os produtores.
E eu perguntaria no final: qual será o resultado dessa clivagem na ideologia do politicamente correta? Vaticinaria que a Europa continuaria preservacionista, defendendo a pequena propriedade tradicional, que produz menos, mas com uso mais intenso de mão-de-obra e maior valor agregado; já os países pobres e os exportadores de alimentos uniriam-se exigindo mais comida, e ponto final. Pois bem: como eu disse, pensei em escrever, mas não escrevi. Achei as conclusões evidentes demais. Já devia saber que o triunfo do óbvio jamais pode ser dado como certo, e que a pugna em favor da tautologia não deve cessar nunca.
Eles começaram bem: criticando os biocombustíveis. Era uma crítica fácil, bastava fazer coro ao que Chávez e Fidel vêm dizendo já há alguns anos - pensando em seus lucros com o petróleo, claro, não em uma crise de alimentos que ninguém antevia. Mas era um bom começo, e tinha algo de verdade. Diversamente do que pode ocorrer com o milho, a produção de etanol de cana-de-açúcar, com o conseqüente aumento no preço da cachaça e da rapadura, jamais gerará hordas de famigerados. Mas há um limite intransponível. Pode-se ainda aumentar muito a produção agrícola brasileira com o incremento da técnica, mas, em algum momento, chegaremos a um brete malthusiano: ou alarga-se a área plantada, ou estagna a quantidade produzida - ou, ainda, avança-se mais sobre a amazônia e o cerrado. Hoje, de fato, é burrice dizer que o etanol brasileiro seja uma causa relevante da crise - e o mesmo vale para o americano. Mas imaginem o que ocorrerá se for implementado o projeto de substituição da matriz energética subjacente à idéia de biocombustíveis. Cada ser humano motorizado, consumidor de luz elétrica, de aquecimento e de produtos industriais, precisará extrair da terra cem vezes mais calorias que atualmente.
A segunda bobagem do discurso atual é o que se diz dos subsídios. Extrapola-se para a agricultura um raciocínio cabível na produção industrial: os subsídios atuam como uma forma de dumping, reduzindo os preços e inviabilizando a produção nos países menos desenvolvidos; quando o produto escasseia e os preços sobem, não há estrutura nesses países para aumentar a produção em tempo hábil. Só que a agricultura exige investimentos significativamente menores e instituições mais simples que a indústria, e dá retorno muito mais rápido. Havendo o estímulo, pode-se elevar a produção no espaço de uma safra, ressarcindo-se o capital em poucos anos. Se isso não ocorre, é porque os subsídios nunca foram o problema.
Um diagnóstico errado acarretará inevitavelmente soluções estúpidas. Na Argentina, poríbem-se as exportações e os agricultores fazem greves e piquetes. Na Bolívia, a mesma medida criou uma nova rota de contrabando e um novo ramo na atividade criminosa: o tráfico ilícito de alimentos (para solucionar o problema o governo de Evo Morales teve que criar mais não sei quantos postos militares de fronteira). E no mundo inteiro são tomadas medidas semelhantes. A maioria dos países respodeu ao crash de 29 com protecionismo: deu no que deu. Alguém disse que para todo problema complexo há uma solução simples - e errada. Discordo. Há sempre uma solução baseada na força e outra, em estímulos - essa coisa a que os detratores chamam "mercado". A última - e correta - é bastante simples quando se olha bem.
* Os Estados Unidos têm uma posição ambígua: contra os subsídios europeus, a favor dos próprios. Além disso, há um forte debate interno entre os produtores que recebvem os subsídios e os contribuintes que pagam por eles. O caso do milho foi emblemático: o congresso aprovou, Bush vetou e o congresso derrubou o veto.
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