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Mais um capítulo em minha luta incansável pelo triunfo do óbvio.
Primeiro o que vem antes: não sou contra a CPMF. Tudo bem: na atual conjuntura, o governo federal não precisa dessa receita, e o nosso sistema de saúde continuará "beirando a perfeição" sem ela. O decantado efeito cascata do imposto, diante da completa irracionalidade do sistema tributário brasileiro, não é coisa que mereça tanta gritaria. A carga tributária tãopouco: um Estado cuja Constituição promete saúde, educação, cultura, lazer e mais um punhado de coisas, tudo de graça, fatalmente consumirá perto de metade da riqueza do país. Ou bem aceitamos que a sociedade não é responsável pela felicidade eterna de cada indivíduo, ou bem aprendemos a gostar de pagar impostos.
Pois bem: e a CSS? A CSS é vinculada. Toda a sua receita irá para um fundo inteiramente destinado à "Saúde" - algo bem em sintonia com o espírito do tempo, isso de oferecer coisas tangíveis a substantivos abstratos. Sou contra o aumento das verbas "da Saúde"? Não particularmente. Sou contra a burrice.
A cantilena governista afirma que o imposto - está garantido - irá todo ele para "a Saúde". A oposição contrapõe que "a Saúde", se vai mal, não é por falta de recursos. Ninguém lembra que a vinculação de um imposto é algo conceitualmente impossível, ou no mínimo irrelevante: dinheiro não tem carimbo, e se, digamos, R$ 10 bilhões do novo imposto forem investidos na "Saúde", isso não impede que outros R$ 10 bilhões de outras fontes deixem de sê-lo, mantendo inalterado o montante. Põe-se de um lado, tira-se de outro, o resultado é o mesmo. Ficou claro, ou eu preciso repetir a tautologia mais uma vez?
Então, esse negócio de imposto vinculado tem um efeito fortemente negativo sobre um fator importantíssimo na economia da política: nosso discernimento agregado. Quanto mais se repete que a CSS irá toda para a saúde, menor fica a capacidade da população de avaliar adequadamente a realidade.
Com as vinculações constitucionais ocorre algo parecido. O Congresso Nacional consegue aprovar uma Emenda Constitucional dotando um percentual do orçamento à Saúde (2/3 dos votos). Depois, passa uma Lei Complementar regulamentando-a (maioria absoluta). Como é que não é capaz de incluir o montante nas Leis Orçamentárias de cada ano (maioria simples)? A resposta é constrangedoramente simples: basta os grupos de pressão insistirem um pouco, e nossos nobres parlamentares aprovarão a vinculação de 20 % do orçamento para A Saúde, 25% para A Educação, 15% para O Saneamento, 20% para A Segurança, 10% para o Meio-Ambiente, 15% para Investimentos e por aí vai. Afinal, quem discorda que cada uma dessas áreas é importantíssima para o Bem-Estar da Nação? Quando se elabora uma norma como a Emenda 29, a única questão posta é a relevância da Saúde. Quando se elabora um orçamento, é preciso confrontar a importância relativa de cada uma dessas áreas com a realidade dos recursos escassos. E cada vez que alguém faz a defesa de uma vinculação constitucional, nos afastamos um pouco mais de aprender a lidar com essa realidade.
A longo prazo, não importa se a Carga Tributária é de 35% ou 38% do PIB, se este cresce a 4,5% ou a 4,7%, se a SELIC fica em 13,5% com viés de alta ou em 13,75% sem viés. A longo prazo, o que interessa é se a sociedade é capaz de avaliar adequadamente a realidade e tomar decisões minimamente racionais. Sim, a longo prazo estaremos todos mortos. Mas, desde o bacharelismo sucupirense, passando pelo tucanês e chegando ao lulismo (esse tucanês para leigos), sempre tentamos transformar a realidade mudando o nome das coisas. Não custa experimentar essa novidade exótica que é o óbvio.
quinta-feira, 19 de junho de 2008
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Um comentário:
Pois é, 10 bi a mais... Dá pra contratar burocrata pro judiciário...
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