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Estou terminando de ler o livro de Domenico DeMasi, que foi comprado há alguns anos e aguardava na prateleira a hora de ser lido. Porque eu acho que os livros têm momentos certos, e isso em parte justifica meu hábito de comprá-los em quantidades muito superiores às que consigo ler: quando o tempo chega, é preciso que o livro esteja à mão. Meu atual estado mental requerial algo interessante, mas desimportante e de leitura leve. Estava em casa, e fiz o que costumo fazer quando termino um livro e ainda tenho disposição para mais leitura - porque há livros que terminam num ápice e deixam o leitor atônito, eufórico ou prostrado, de autores tão díspares quanto Sartre e Dumas pai; outros, como o Memórias Póstumas que acabara de ler, levam o leitor ao cume antes do fim, e permitem que a digestão se faça ao longo das últimas páginas. Enfim, o que fiz foi percorrer as prateleiras de livros não lidos, atrás de algo que me chamasse a atenção. Topei com DeMasi, cuja idéia de ócio criativo já não me entusiasmava o suficiente para merecer uma leitura descansada, mas ainda me despertava curiosidade. Com baixas espectativas, fiquei positivamente surpreso com esse livro-entrevista. Recomendo para uma leitura distraída no ônibus ou na praia. Sem mais prolegômenos, eis algumas conclusões preliminares, tiradas a umas dez páginas do fim:
1- A idéia de uma sociedade pós-industrial é cativante, e é preciso olhá-la com ressalvas. A principal proposta concreta de DeMasi, a redução da jornada de trabalho, foi um estrondoso fracasso na França, e a promessa de abolir a semana de 35 horas deu a vitória a Sarkozy.
2- Ainda assim, é evidente que o avanço tecnológico permitirá que se produza cada vez mais com cada vez menos trabalho. O problema aí é econômico: aumenta-se a demanda de capital e diminui-se a de mão-de-obra (e também de cérebro-de-obra). O resultado é que o primeiro torna-se cada vez mais bem-remunerado e o segundo, freqüentemente subutilizado. E ainda não se propôs nenhuma solução para isso fora do velho Estado de Bem-Estar.
3- Mesmo isso está longo da realidade brasileira. Aqui o investimento ainda não desemprega. Antes de começar a aprofundar-se, o capitalismo ainda tem muito para onde se espalhar.
4- A idéia de unir trabalho, "jogo" e estudo em uma coisa só, sem patrões nem horários, parece maravilhosa, mais ainda é para poucos. Mas DeMasi tem razão num ponto: é a cultura, mais que a economia, que impede a expansão dessa realidade.
5- DeMasi esteve na Bahia e sentenciou que é o lugar no mundo onde mais se pratica o ócio criativo. Podemos hoje dividir as pessoas pela sua opinião sobre a terra de Caetano e Gal: de um lado, os que pensam como DeMasi; de outro, os partidários daquele professor do berimbau. É preciso tomar o máximo cuidado com essa idéia de que o ziriguidum e a malemolência nos salvarão no final. É a tese central do mangabeirismo, e uma expressão nova de um velho colonialismo cultural. Mas disso falo outra hora.
6- O saldo da leitura é uma enorme frustração com minha carreira de burocrata.
Estou terminando de ler o livro de Domenico DeMasi, que foi comprado há alguns anos e aguardava na prateleira a hora de ser lido. Porque eu acho que os livros têm momentos certos, e isso em parte justifica meu hábito de comprá-los em quantidades muito superiores às que consigo ler: quando o tempo chega, é preciso que o livro esteja à mão. Meu atual estado mental requerial algo interessante, mas desimportante e de leitura leve. Estava em casa, e fiz o que costumo fazer quando termino um livro e ainda tenho disposição para mais leitura - porque há livros que terminam num ápice e deixam o leitor atônito, eufórico ou prostrado, de autores tão díspares quanto Sartre e Dumas pai; outros, como o Memórias Póstumas que acabara de ler, levam o leitor ao cume antes do fim, e permitem que a digestão se faça ao longo das últimas páginas. Enfim, o que fiz foi percorrer as prateleiras de livros não lidos, atrás de algo que me chamasse a atenção. Topei com DeMasi, cuja idéia de ócio criativo já não me entusiasmava o suficiente para merecer uma leitura descansada, mas ainda me despertava curiosidade. Com baixas espectativas, fiquei positivamente surpreso com esse livro-entrevista. Recomendo para uma leitura distraída no ônibus ou na praia. Sem mais prolegômenos, eis algumas conclusões preliminares, tiradas a umas dez páginas do fim:
1- A idéia de uma sociedade pós-industrial é cativante, e é preciso olhá-la com ressalvas. A principal proposta concreta de DeMasi, a redução da jornada de trabalho, foi um estrondoso fracasso na França, e a promessa de abolir a semana de 35 horas deu a vitória a Sarkozy.
2- Ainda assim, é evidente que o avanço tecnológico permitirá que se produza cada vez mais com cada vez menos trabalho. O problema aí é econômico: aumenta-se a demanda de capital e diminui-se a de mão-de-obra (e também de cérebro-de-obra). O resultado é que o primeiro torna-se cada vez mais bem-remunerado e o segundo, freqüentemente subutilizado. E ainda não se propôs nenhuma solução para isso fora do velho Estado de Bem-Estar.
3- Mesmo isso está longo da realidade brasileira. Aqui o investimento ainda não desemprega. Antes de começar a aprofundar-se, o capitalismo ainda tem muito para onde se espalhar.
4- A idéia de unir trabalho, "jogo" e estudo em uma coisa só, sem patrões nem horários, parece maravilhosa, mais ainda é para poucos. Mas DeMasi tem razão num ponto: é a cultura, mais que a economia, que impede a expansão dessa realidade.
5- DeMasi esteve na Bahia e sentenciou que é o lugar no mundo onde mais se pratica o ócio criativo. Podemos hoje dividir as pessoas pela sua opinião sobre a terra de Caetano e Gal: de um lado, os que pensam como DeMasi; de outro, os partidários daquele professor do berimbau. É preciso tomar o máximo cuidado com essa idéia de que o ziriguidum e a malemolência nos salvarão no final. É a tese central do mangabeirismo, e uma expressão nova de um velho colonialismo cultural. Mas disso falo outra hora.
6- O saldo da leitura é uma enorme frustração com minha carreira de burocrata.
Um comentário:
Eu achoq ue ele se limitou a conhecer a Bahia da beira de praia, aquela em que o rapazote leva um abacaxi com hortelã pro turista enquanto toma sol ou em que um belo negro de olhos verdes ganha grana enquanto toca berimbau. Acho que ele não viu a Salvador que acorda cedo (sim, isso existe) para trabalhar na construção civil. Nesses casos é melhor evitar a criatividade, sob pena de um prédio desabando.
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