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Este post neste blog - o qual, de resto, acho bem interessante - cita o seguinte trecho de uma entrevista com Tom Stoppard: "Isso [a expansão da ingerência estatal na vida das pessoas] interessa às hordas de funcionários públicos que não existiam há 10 anos". O blog em questão é uma publicação de orienação francamente liberal. Entretanto - inadvertidamente, eu suponho - o post brinda os leitores com uma pérola do marxismo de botequim*: o Estado incha e a burocracia aumenta porque isso interessa às hostes de amanuenses que não querem perder a sinecura. O leitor objeta que nunca ouviu isso de um membro da festiva babando pileque? Pois ouviu sim: o sujeito dizia que os capitalistas defendem o livre mercado porque isso aumenta os lucros - o que é a mesma coisa, só que virada do avesso.
Mas não se trata apenas de um ato falho do articulista ou do entrevistado. Essa idéia está cada vez mais em voga no pensamento econômico. Passo a explicar por que isso é uma besteira, do ponto de vista de um funcionário público federal.
O primeiro problema desse raciocínio é sua inadequação aos fatos. Para o capitalista dotado de escrúpulos escassos e contatos abundantes, não há fonte de lucros melhor que um governo que proteja-o da competição, além de oferecer-lhe crédito barato e demanda abundante. Da mesma forma, para o funcionário bem estabelecido convém uma burocracia enxuta e altamente qualificada, que poderá pagar-lhe um salário mais alto - o inchaço do Estado só interessa ao candidato a burocrata, que não vota nas eleições sindicais.
Esse equívoco advém de outro mais profundo: a crença de que interesses de classe e interesses individuais se confundem. Trata-se de um dos fundamentos do marxismo que acabou penetrando no senso comum, transfigurado naquele cinismo de mesa-de-bar que pergunda sempre a quem interessa uma determinada proposição antes de avaliá-la em si mesma. Do lado dos liberais, circula a idéia - na minha opinião, análoga - de que a democracia não passa de uma disputa de interesses entre grupos de pressão organizados.
Classes, na minha ontologia, não existem. Ou os interesses da classe trabalhadora são os mesmos do conjunto dos trabalhadores, ou são apenas as veleidades de meia-dúzia de intelectuais vanguardistas. Da mesma forma, ou o inchaço do Estado interessa, de fato, aos funcionários - o que não é o caso - ou estes estão defendendo como interesse de classe alguma outra agenda. Uma rápida olhada na estrutura dos sindicatos e uma escutadela nas conversas de cafezinho de qualquer repartição demonstrarão que o que é tido como o pensamento da média dos servidores não passa, na verdade, da opinião de uma minoria barulhenta, inserida em uma estrutura aparelhada pela esquerda radical. Claro, não há contínuo que, mesmo levando uma vida de rentista, não ache que o seu salário é baixo e a sua repartição precisa de mais gente. Esse sujeito pode até ser arrebanhado para uma greve de cunho político-partidário, mas está a léguas de distância de concordar com as opiniões do sindicato sobre o tamanho do Estado - basta perguntar-lhe o que pensa sobre a carga tributária para constatá-lo.
Além disso, quando há uma certa distância (lógica ou temporal) entre uma escolha e seus resultados - como ocorre com a maioria das posições políticas - a interferência de outros fatores acaba impedindo que a escolha seja, ao mesmo tempo, racional e auto-interessada. Nesses casos, influenciam mais paixões, valores e preconceitos que interesses verdadeiros. O força propulsora da interferência estatal na vida privada não são as "hostes de funcionários públicos" interessadas em manter os empregos, mas a multidão de qualunquistas sempre disposta a dar seu voto ao primeiro político que prometa "fazer alguma coisa" para resolver o que quer que seja.
*De acordo com Osborne, a manifestação econômica da noção clássica de beleza é a representação do equilíbrio de longo prazo do modelo de competição perfeita: 'é a representação da perfeição - do único resultado em que o preço pedido e recebido pelos vendedores é equivalente a seus custos médio e marginal'. Esse resultado é sinônimo de eficiência paretiana, onde o movimento do estado de alocação de equilíbrio perfeitamente competitivo para outro não pode melhorar a situação de um indivíduo sem piorar a de outros. Como coloca Osborne, 'no âmbito do comércio... equilíbrio perfeitamente competitivo é a mais alta conquista. É, em outras palavras, belo.
**Está demonstrado, dizia ele, que as coisas não podem ser de outra forma: pois, tudo tendo sido feito para um fim, tudo foi feito necessariamente para o melhor fim. Reparai bem que os narizes foram feitos para usar óculos, assim, nós temos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para serem calçadas, e nos temos sapatos. As pedras foram formadas para serem talhadas, e para delas fazerem-se castelos, assim, o monsenhor tem um belíssimo castelo; o maior barão da província deve ter a melhor morada; e, os leitões tendo sido feitos para serem comidos, nós comemos carne de porco todo o ano: por conseqüência, aqueles que afirmaram que tudo está bem disseream uma tolice; deveriam ter dito que tudo está o mellhor possível.
Este post neste blog - o qual, de resto, acho bem interessante - cita o seguinte trecho de uma entrevista com Tom Stoppard: "Isso [a expansão da ingerência estatal na vida das pessoas] interessa às hordas de funcionários públicos que não existiam há 10 anos". O blog em questão é uma publicação de orienação francamente liberal. Entretanto - inadvertidamente, eu suponho - o post brinda os leitores com uma pérola do marxismo de botequim*: o Estado incha e a burocracia aumenta porque isso interessa às hostes de amanuenses que não querem perder a sinecura. O leitor objeta que nunca ouviu isso de um membro da festiva babando pileque? Pois ouviu sim: o sujeito dizia que os capitalistas defendem o livre mercado porque isso aumenta os lucros - o que é a mesma coisa, só que virada do avesso.
Mas não se trata apenas de um ato falho do articulista ou do entrevistado. Essa idéia está cada vez mais em voga no pensamento econômico. Passo a explicar por que isso é uma besteira, do ponto de vista de um funcionário público federal.
O primeiro problema desse raciocínio é sua inadequação aos fatos. Para o capitalista dotado de escrúpulos escassos e contatos abundantes, não há fonte de lucros melhor que um governo que proteja-o da competição, além de oferecer-lhe crédito barato e demanda abundante. Da mesma forma, para o funcionário bem estabelecido convém uma burocracia enxuta e altamente qualificada, que poderá pagar-lhe um salário mais alto - o inchaço do Estado só interessa ao candidato a burocrata, que não vota nas eleições sindicais.
Esse equívoco advém de outro mais profundo: a crença de que interesses de classe e interesses individuais se confundem. Trata-se de um dos fundamentos do marxismo que acabou penetrando no senso comum, transfigurado naquele cinismo de mesa-de-bar que pergunda sempre a quem interessa uma determinada proposição antes de avaliá-la em si mesma. Do lado dos liberais, circula a idéia - na minha opinião, análoga - de que a democracia não passa de uma disputa de interesses entre grupos de pressão organizados.
Classes, na minha ontologia, não existem. Ou os interesses da classe trabalhadora são os mesmos do conjunto dos trabalhadores, ou são apenas as veleidades de meia-dúzia de intelectuais vanguardistas. Da mesma forma, ou o inchaço do Estado interessa, de fato, aos funcionários - o que não é o caso - ou estes estão defendendo como interesse de classe alguma outra agenda. Uma rápida olhada na estrutura dos sindicatos e uma escutadela nas conversas de cafezinho de qualquer repartição demonstrarão que o que é tido como o pensamento da média dos servidores não passa, na verdade, da opinião de uma minoria barulhenta, inserida em uma estrutura aparelhada pela esquerda radical. Claro, não há contínuo que, mesmo levando uma vida de rentista, não ache que o seu salário é baixo e a sua repartição precisa de mais gente. Esse sujeito pode até ser arrebanhado para uma greve de cunho político-partidário, mas está a léguas de distância de concordar com as opiniões do sindicato sobre o tamanho do Estado - basta perguntar-lhe o que pensa sobre a carga tributária para constatá-lo.
Além disso, quando há uma certa distância (lógica ou temporal) entre uma escolha e seus resultados - como ocorre com a maioria das posições políticas - a interferência de outros fatores acaba impedindo que a escolha seja, ao mesmo tempo, racional e auto-interessada. Nesses casos, influenciam mais paixões, valores e preconceitos que interesses verdadeiros. O força propulsora da interferência estatal na vida privada não são as "hostes de funcionários públicos" interessadas em manter os empregos, mas a multidão de qualunquistas sempre disposta a dar seu voto ao primeiro político que prometa "fazer alguma coisa" para resolver o que quer que seja.
*De acordo com Osborne, a manifestação econômica da noção clássica de beleza é a representação do equilíbrio de longo prazo do modelo de competição perfeita: 'é a representação da perfeição - do único resultado em que o preço pedido e recebido pelos vendedores é equivalente a seus custos médio e marginal'. Esse resultado é sinônimo de eficiência paretiana, onde o movimento do estado de alocação de equilíbrio perfeitamente competitivo para outro não pode melhorar a situação de um indivíduo sem piorar a de outros. Como coloca Osborne, 'no âmbito do comércio... equilíbrio perfeitamente competitivo é a mais alta conquista. É, em outras palavras, belo.
**Está demonstrado, dizia ele, que as coisas não podem ser de outra forma: pois, tudo tendo sido feito para um fim, tudo foi feito necessariamente para o melhor fim. Reparai bem que os narizes foram feitos para usar óculos, assim, nós temos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para serem calçadas, e nos temos sapatos. As pedras foram formadas para serem talhadas, e para delas fazerem-se castelos, assim, o monsenhor tem um belíssimo castelo; o maior barão da província deve ter a melhor morada; e, os leitões tendo sido feitos para serem comidos, nós comemos carne de porco todo o ano: por conseqüência, aqueles que afirmaram que tudo está bem disseream uma tolice; deveriam ter dito que tudo está o mellhor possível.
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