domingo, 6 de julho de 2008

O TSE e a Ditadura dos Virtuosos

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Já falei sobre o assunto no post abaixo, mas a última do TSE impõe que volte a abordá-lo.

Parece que a única instituição brasileira que ainda goza de algum prestígio junto à população é o Poder Judiciário (para efeitos práticos, o Ministério Público entra aqui como Judiciário). Não é difícil entender por quê. Diante do Congresso Nacional, até a comunidade residente no Presídio Central serve como exemplo de integridade. Além disso, há na política uma série de incentivos à canalhice (começando pela necessidade de financiar campanhas, terminando na possibilidade de dispor de verbas e cargos). Como ingressa-se na magistratura via concurso público, é natural que seus membros sejam um quadro representativo da moralidade média da população - o que os faz parecer uma assembléia de Capuccinos em comparação com a classe política. Alguns casos de corrupção e outros, mais numerosos, de corporativismo, fazem com que essa definição só seja válida, mesmo, na comparação.

Outro fator que, acredito, contribuiu para a boa reputação da magistratura foi o distanciamento das questões, digamos, mais mundanas da política. Essa postura decorreu em grande medida do fato de os futuros juízes aprenderem, na faculdade de direito, que deveriam ser "a boca servil da lei". Com julgamentos "técnicos", proferidos em linguagem inacessível, aplicava-se a lei a partir de normas de interpretação previamente estabelecidas, de preferência sem juízos de valor. Decisões judiciais sobre questões mais sensíveis e controversas costumavam ser bastante esporádicas, o que contribuia para a percepção de uma magistratura olímpica, impenetrável e distante.

Pois bem: depois da constituição de 1988, a posição segundo a qual os magistrados, que não são eleitos, não devem julgar as leis, começou a parecer conservadora e anti-democrática. Afinal, o Poder Judiciário - por que não? - também precisa ser um agente de transformação social. Ouvi, na faculdade, um juíz dizer, citando um ministro do STJ, que, em uma causa em que houvesse um litigante rico e outro pobre, não havia dúvida: julgava-se em favor do pobre; um outro, desembargador, afirmou, sem constrangimento algum, que alguém "socialmente excluído" simplesmente não podia ir para a cadeia, não importando que crime cometesse.

A questão aqui não é o absurdo das proposições. Houve, claro, manifestações contrárias ao seu conteúdo, mas ninguém disse o óbvio: quem deve decidir isso não é o juiz, mas o legislador eleito - não disseram-no porque, afinal, não é fácil defender nosso corpo legislativo.

De uma posição tímida, daquelas que só ecoam nas universidades, esse salvacionismo judiciário se expandiu na medida em que o Congresso foi perdendo legitimidade. Desses que agora vociferam contra as restrições à internet, quantos não aplaudiram Celso de Mello quando instituiu a fidelidade partidária, que os Deputados e Senadores recusavam-se a aprovar?

Falei em Savonarola para fazer referência a um fato histórico exemplar: cansada da corrupta elite governante, a população de Florença alçou ao poder um homem que era um exemplo de moralidade ascética. Acabaram descobrindo que não há nada pior que ser governado pela Virtude absoluta - e que os virtuosos costumam ser tenazes quando aferram-se ao poder.

O Judiciário foi, talvez, a única instituição que permaneceu imune a todas as ditaduras e golpes de estado da república brasileira. Mesmo os militares não ousaram interferir na independência do órgão ou desrespeitar suas decisões - e há quem diga ter sido essa a razão da "brandura" de nossa ditadura, em comparação com as vizinhas. Quem está pondo a perder esse respeito é o próprio Judiciário. O Legislativo fiscaliza o Executivo, o Executivo sanciona os atos do Legislativo e o Judiciário vigia a ambos, sem ninguém que o limite ou questione. Só é possível que um dos Poderes seja absolutamente soberano e independente, sem necessidade de qualquer respaldo das urnas, se esse poder exercer um auto-limite extremamente rigoroso. Juízes não têm mandato, não estão sujeitos a cassação ou impeachment. Se excederem-se, só poderemos tirá-los de lá pela força.

Um comentário:

Anônimo disse...

Judiciário goza de prestígio? desde quando?

huahuahuahua