sexta-feira, 30 de maio de 2008

O Ócio Criativo

.
Estou terminando de ler o livro de Domenico DeMasi, que foi comprado há alguns anos e aguardava na prateleira a hora de ser lido. Porque eu acho que os livros têm momentos certos, e isso em parte justifica meu hábito de comprá-los em quantidades muito superiores às que consigo ler: quando o tempo chega, é preciso que o livro esteja à mão. Meu atual estado mental requerial algo interessante, mas desimportante e de leitura leve. Estava em casa, e fiz o que costumo fazer quando termino um livro e ainda tenho disposição para mais leitura - porque há livros que terminam num ápice e deixam o leitor atônito, eufórico ou prostrado, de autores tão díspares quanto Sartre e Dumas pai; outros, como o Memórias Póstumas que acabara de ler, levam o leitor ao cume antes do fim, e permitem que a digestão se faça ao longo das últimas páginas. Enfim, o que fiz foi percorrer as prateleiras de livros não lidos, atrás de algo que me chamasse a atenção. Topei com DeMasi, cuja idéia de ócio criativo já não me entusiasmava o suficiente para merecer uma leitura descansada, mas ainda me despertava curiosidade. Com baixas espectativas, fiquei positivamente surpreso com esse livro-entrevista. Recomendo para uma leitura distraída no ônibus ou na praia. Sem mais prolegômenos, eis algumas conclusões preliminares, tiradas a umas dez páginas do fim:

1- A idéia de uma sociedade pós-industrial é cativante, e é preciso olhá-la com ressalvas. A principal proposta concreta de DeMasi, a redução da jornada de trabalho, foi um estrondoso fracasso na França, e a promessa de abolir a semana de 35 horas deu a vitória a Sarkozy.

2- Ainda assim, é evidente que o avanço tecnológico permitirá que se produza cada vez mais com cada vez menos trabalho. O problema aí é econômico: aumenta-se a demanda de capital e diminui-se a de mão-de-obra (e também de cérebro-de-obra). O resultado é que o primeiro torna-se cada vez mais bem-remunerado e o segundo, freqüentemente subutilizado. E ainda não se propôs nenhuma solução para isso fora do velho Estado de Bem-Estar.

3- Mesmo isso está longo da realidade brasileira. Aqui o investimento ainda não desemprega. Antes de começar a aprofundar-se, o capitalismo ainda tem muito para onde se espalhar.

4- A idéia de unir trabalho, "jogo" e estudo em uma coisa só, sem patrões nem horários, parece maravilhosa, mais ainda é para poucos. Mas DeMasi tem razão num ponto: é a cultura, mais que a economia, que impede a expansão dessa realidade.

5- DeMasi esteve na Bahia e sentenciou que é o lugar no mundo onde mais se pratica o ócio criativo. Podemos hoje dividir as pessoas pela sua opinião sobre a terra de Caetano e Gal: de um lado, os que pensam como DeMasi; de outro, os partidários daquele professor do berimbau. É preciso tomar o máximo cuidado com essa idéia de que o ziriguidum e a malemolência nos salvarão no final. É a tese central do mangabeirismo, e uma expressão nova de um velho colonialismo cultural. Mas disso falo outra hora.

6- O saldo da leitura é uma enorme frustração com minha carreira de burocrata.

afundou o fundo...

.
No meu outro blog escrevi, sobre esse nosso 1984 caboclo, que na distopia lulista a novilíngua não precisa de enormes ministérios a reescrever dicionários. Basta substituir todo o raciocínio por metáforas futebolísticas. Pois o alvo mais recente desse esvaziamento do sentido das coisas foi o tal fundo soberano.

Lula e Guido Mantega, em seus delírios de potência petrolífera, queriam porque queriam o tal fundo. Os economistas palacianos admoestaram, os áulicos silenciaram, e nosso Colbert saiu-se com uma solução digna de toda a malemolência e ziriguidum destes trópicos: em vez de tomar emprestado a juros altos para fazer investimentos pouco rentáveis, vamos economizar e investir nos melhores títulos da atualidade, em termos de relação risco/benefício: os da dívida pública brasileira. Ou seja, no lugar de nos tornar-se devedor de quem cobra muito para poder ser credor de quem paga pouco, o governo fará uma poupancinha para ser credor de si mesmo. Para uma esquerda tão singular, graças à qual o Estado brasileiro tem superávit nominal pela primeira vez na história recente, a saída tem uma virtude maravilhosa: permite abater o principal da dívida pública sem aumentar oficialmente o superávir primário, esse malvado estratagema neoliberal para surrupiar a riqueza do povo trabalhador e sustentar a opulência das meretrizes do capital internacional. Não! Um governo socialista não faz superávit primário, investe no fortalecimento do estado e na soberania nacional!

Na era do lulismo, o triunfo do óbvio deve ser sempre comemorado com entusiasmo. Mas corrói-se um pouquinho mais esse aspecto da verdade que consiste em dar às coisas o nome que elas têm.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

soberania pelos fundos

.
Os próceres da Bruzundanga devem ter ficado sabendo dessa estória de "fundo soberano" como eu, pelo noticiário. Trata-se de um instrumento utilizado por emirados petrolíferos e repúblicas escandinavas para evitar os efeitos cambiais de um superávit comercial constante. Nada parecido com o que temos por cá. Virou notícia porque algumas instituições internacionais estão preocupadas com o efeito de tais fundos no mercado. Deveriam ter deixado quieto, para não chamar a atenção. Agora, lula também quer um.

Henrique Meirelles chamou uma entrevista coletiva para dizer que não sabe como, para que nem com que dinheiro será constituído o tal fundo. Quando se trata de explicar à sociedade o porquê de algum empreendimento de finalidades vagas e custos bilionários, a resposta do governo é sempre um fátuo e sonoro "e por que não?".

Vide a tal TV pública. Se a imprensa e a oposição tiverem algum senso de oportunidade, vão chamar logo a traquinanha de "fundo do PT". E com razão. Vaticino já: o ufanista "fundo soberano" será instituído via MP, dotado de uma independência nos moldes daquela dada à ANAC, acompanhado da última jabuticaba petista: não será estatal, será público. Decerto terá um conselho gestor composto de "representantes da sociedade civil".

O problema mais óbvio é que o tal fundo acabará em descompasso com a política cambial do BC. Teremos duas políticas econômicas, uma "do governo", outra "da sociedade". Jabuticaba de novo.

O menos óbvio é que está em curso uma novíssima forma de estatização. A esquerdalha mais obtusa faz plebiscitos para reestatizar a vale. Os petistas mais pragmáticos, na surdina, lançam mão de mecanismos menos transparentes e mais livres de controles institucionais com a mesma finalidade. O monopólio do petróleo está sendo lentamente retomado pela Petrobrás. Os fundos de pensão em breve controlarão a super-tele (jabuticaba III), a ser criada por decreto. O fundo soberano terá identico fim, com ainda mais abrangência. Farão a reestatização, na lei ou no capital.

O resultado é que o governo poderá usar nosso dinheiro para agir no mercado sem controles democráticos. E, a depender da conformação do tal fundo, o PT continuará no controle, por procuração, mesmo depois de deixar o govero.