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Os dois escritores do título são os maiores casos de genialidade combinada com estultice do Século XX.
Nelson Rosdrigues tinha uma adoração, digamos, rodrigueana pelo presidente Médici. Algo assim como o fetiche que Jorge Amado tinha pelos bigodes de Stálin. Há crônicas em O Reacionário em que o leitor quase chega a ouvir Nelson, com aquele sotaque de Antônio Conselheiro de minissérie da globo, repetir gozoso o nome do presidente: Emílio Garrastazú Médici, Emílio Garrastazú Médici. Um desavisado termina a leitura achando que se trata de um Charles DeGaulle tupiniquim, saído das profundezas do pampa para liderar a resistência bruzindanguense contra o comunismo e plantar rosas (era o Médici que plantava rosas? ou era o Geisel?). E mais: a grande virtude do presidente era ser um homem do povo. Com sua insuperável plasticidade, Nelson pinta-o no vestiário, após uma partida de futebol (eu disse que a coisa era rodrigueana), perguntando ao crioulo lustroso de suor: Como é que perdeste aquele gol?!?! A semelhança com nossos dias impressiona.
Sartre é outro gênio da raça que não tinha medo de dizer bobagens quando o assunto era política. Quem lê O Diabo e o Bom Deus não acredita que, até o fim da vida (e isso foi em 1980) o sujeito continuou estalinista "de colar decalco", como dizia o analista de Bagé. Os comunas não podiam nem ouvir falar em existencialismo, essa frescura pequeno-burguesa, mas Sarte cortejava-os com perseverança de mulher de malandro. Tem até um livrinho, chamado O Existencialismo é um Humanismo, que é a transcrição de uma palestra que o filósofo ministrou para tentar cativar a esquerda francesa. É de sentar e chorar. A simplificação da coisa é tal que poderia muito bem se chamar Existencialismo para Crinanças, mas não adiantou: os comunistas não entenderam e, como costuma acontecer nessas situações, só faltou correrem com ele a pontapés.
Mas isso se explica. A juventude de Sartre foi marcada pelo pré-guerra, em que a ponderação de figuras como Neville Chamberain e Édouard Daladier, que hesitaram em sufocar o nazi-fascismo no nascedouro, acabou levando à Segunda Guerra e ao Holocausto. Churchill dedicou-lhes uma daquelas suas frases definitivas: Aceitaram a desonra para evitar a guerra. Tiveram a desonra e terão a guerra. É daí que vem Mathieu Delarue, o personagem de A Idade da Razão que "perde a vida por delicadeza" ao querer conservar a liberdade à custa de evitar qualquer tipo de engajamento - seja político ou pessoal. A liberdade segundo o existencialismo consiste justamente em engajar-se, o que Sarte acaba confundindo com com escolher um lado e permanecer nele, não importa o que aconteça, como se o militante político fosse um torcedor do Internacional.
Já Nelson Rodrigues teve a vida pessoal marcada pela ditadura varguista. Seu irmão morreu vítima de um assassinato político e sua família acabou reduzida quase à indigência quando o jornal do pai foi fechado - empastelado, como diziam na época - pelo governo. Tornou-se um defensor intransigente da liberdade - "A liberdade é mais importante que o pão" era uma de suas frases obsessivas - o que, paradoxalemente, levou-o à defesa obstinada dos governos militares, mesmo quando censuravam suas peças, simplesmente porque do outro lado estavam os comunistas. É outro que acabou mulher de malandro por excesso de convicção.
Mas o que tem isso a ver com os tucanos, além da parte da estultice? Sartre e Nelson Rodrigues viveram uma época que transformou a ponderação em hesitação, e a hesitação em crime - e não perceberam quando essa época passou. Nós, ao contrário, temos a sorte de viver em um tempo em que o radicalismo parece proscrito da política, e a oposição ao governo Lula em geral, e os tucanos em particular, parecem não perceber que este tempo está se encerrando.
Os dois escritores do título são os maiores casos de genialidade combinada com estultice do Século XX.
Nelson Rosdrigues tinha uma adoração, digamos, rodrigueana pelo presidente Médici. Algo assim como o fetiche que Jorge Amado tinha pelos bigodes de Stálin. Há crônicas em O Reacionário em que o leitor quase chega a ouvir Nelson, com aquele sotaque de Antônio Conselheiro de minissérie da globo, repetir gozoso o nome do presidente: Emílio Garrastazú Médici, Emílio Garrastazú Médici. Um desavisado termina a leitura achando que se trata de um Charles DeGaulle tupiniquim, saído das profundezas do pampa para liderar a resistência bruzindanguense contra o comunismo e plantar rosas (era o Médici que plantava rosas? ou era o Geisel?). E mais: a grande virtude do presidente era ser um homem do povo. Com sua insuperável plasticidade, Nelson pinta-o no vestiário, após uma partida de futebol (eu disse que a coisa era rodrigueana), perguntando ao crioulo lustroso de suor: Como é que perdeste aquele gol?!?! A semelhança com nossos dias impressiona.
Sartre é outro gênio da raça que não tinha medo de dizer bobagens quando o assunto era política. Quem lê O Diabo e o Bom Deus não acredita que, até o fim da vida (e isso foi em 1980) o sujeito continuou estalinista "de colar decalco", como dizia o analista de Bagé. Os comunas não podiam nem ouvir falar em existencialismo, essa frescura pequeno-burguesa, mas Sarte cortejava-os com perseverança de mulher de malandro. Tem até um livrinho, chamado O Existencialismo é um Humanismo, que é a transcrição de uma palestra que o filósofo ministrou para tentar cativar a esquerda francesa. É de sentar e chorar. A simplificação da coisa é tal que poderia muito bem se chamar Existencialismo para Crinanças, mas não adiantou: os comunistas não entenderam e, como costuma acontecer nessas situações, só faltou correrem com ele a pontapés.
Mas isso se explica. A juventude de Sartre foi marcada pelo pré-guerra, em que a ponderação de figuras como Neville Chamberain e Édouard Daladier, que hesitaram em sufocar o nazi-fascismo no nascedouro, acabou levando à Segunda Guerra e ao Holocausto. Churchill dedicou-lhes uma daquelas suas frases definitivas: Aceitaram a desonra para evitar a guerra. Tiveram a desonra e terão a guerra. É daí que vem Mathieu Delarue, o personagem de A Idade da Razão que "perde a vida por delicadeza" ao querer conservar a liberdade à custa de evitar qualquer tipo de engajamento - seja político ou pessoal. A liberdade segundo o existencialismo consiste justamente em engajar-se, o que Sarte acaba confundindo com com escolher um lado e permanecer nele, não importa o que aconteça, como se o militante político fosse um torcedor do Internacional.
Já Nelson Rodrigues teve a vida pessoal marcada pela ditadura varguista. Seu irmão morreu vítima de um assassinato político e sua família acabou reduzida quase à indigência quando o jornal do pai foi fechado - empastelado, como diziam na época - pelo governo. Tornou-se um defensor intransigente da liberdade - "A liberdade é mais importante que o pão" era uma de suas frases obsessivas - o que, paradoxalemente, levou-o à defesa obstinada dos governos militares, mesmo quando censuravam suas peças, simplesmente porque do outro lado estavam os comunistas. É outro que acabou mulher de malandro por excesso de convicção.
Mas o que tem isso a ver com os tucanos, além da parte da estultice? Sartre e Nelson Rodrigues viveram uma época que transformou a ponderação em hesitação, e a hesitação em crime - e não perceberam quando essa época passou. Nós, ao contrário, temos a sorte de viver em um tempo em que o radicalismo parece proscrito da política, e a oposição ao governo Lula em geral, e os tucanos em particular, parecem não perceber que este tempo está se encerrando.
Um comentário:
unhóooo.
Nelson Rodrigues pode TUDO.
aliás, o sartre, pra mim, so era stalinista pra comer as aluninhas.
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