segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Jean-Paul Sarte, Nelson Rodrigues e os tucanos

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Os dois escritores do título são os maiores casos de genialidade combinada com estultice do Século XX.

Nelson Rosdrigues tinha uma adoração, digamos, rodrigueana pelo presidente Médici. Algo assim como o fetiche que Jorge Amado tinha pelos bigodes de Stálin. Há crônicas em O Reacionário em que o leitor quase chega a ouvir Nelson, com aquele sotaque de Antônio Conselheiro de minissérie da globo, repetir gozoso o nome do presidente: Emílio Garrastazú Médici, Emílio Garrastazú Médici. Um desavisado termina a leitura achando que se trata de um Charles DeGaulle tupiniquim, saído das profundezas do pampa para liderar a resistência bruzindanguense contra o comunismo e plantar rosas (era o Médici que plantava rosas? ou era o Geisel?). E mais: a grande virtude do presidente era ser um homem do povo. Com sua insuperável plasticidade, Nelson pinta-o no vestiário, após uma partida de futebol (eu disse que a coisa era rodrigueana), perguntando ao crioulo lustroso de suor: Como é que perdeste aquele gol?!?! A semelhança com nossos dias impressiona.

Sartre é outro gênio da raça que não tinha medo de dizer bobagens quando o assunto era política. Quem lê O Diabo e o Bom Deus não acredita que, até o fim da vida (e isso foi em 1980) o sujeito continuou estalinista "de colar decalco", como dizia o analista de Bagé. Os comunas não podiam nem ouvir falar em existencialismo, essa frescura pequeno-burguesa, mas Sarte cortejava-os com perseverança de mulher de malandro. Tem até um livrinho, chamado O Existencialismo é um Humanismo, que é a transcrição de uma palestra que o filósofo ministrou para tentar cativar a esquerda francesa. É de sentar e chorar. A simplificação da coisa é tal que poderia muito bem se chamar Existencialismo para Crinanças, mas não adiantou: os comunistas não entenderam e, como costuma acontecer nessas situações, só faltou correrem com ele a pontapés.

Mas isso se explica. A juventude de Sartre foi marcada pelo pré-guerra, em que a ponderação de figuras como Neville Chamberain e Édouard Daladier, que hesitaram em sufocar o nazi-fascismo no nascedouro, acabou levando à Segunda Guerra e ao Holocausto. Churchill dedicou-lhes uma daquelas suas frases definitivas: Aceitaram a desonra para evitar a guerra. Tiveram a desonra e terão a guerra. É daí que vem Mathieu Delarue, o personagem de A Idade da Razão que "perde a vida por delicadeza" ao querer conservar a liberdade à custa de evitar qualquer tipo de engajamento - seja político ou pessoal. A liberdade segundo o existencialismo consiste justamente em engajar-se, o que Sarte acaba confundindo com com escolher um lado e permanecer nele, não importa o que aconteça, como se o militante político fosse um torcedor do Internacional.

Já Nelson Rodrigues teve a vida pessoal marcada pela ditadura varguista. Seu irmão morreu vítima de um assassinato político e sua família acabou reduzida quase à indigência quando o jornal do pai foi fechado - empastelado, como diziam na época - pelo governo. Tornou-se um defensor intransigente da liberdade - "A liberdade é mais importante que o pão" era uma de suas frases obsessivas - o que, paradoxalemente, levou-o à defesa obstinada dos governos militares, mesmo quando censuravam suas peças, simplesmente porque do outro lado estavam os comunistas. É outro que acabou mulher de malandro por excesso de convicção.

Mas o que tem isso a ver com os tucanos, além da parte da estultice? Sartre e Nelson Rodrigues viveram uma época que transformou a ponderação em hesitação, e a hesitação em crime - e não perceberam quando essa época passou. Nós, ao contrário, temos a sorte de viver em um tempo em que o radicalismo parece proscrito da política, e a oposição ao governo Lula em geral, e os tucanos em particular, parecem não perceber que este tempo está se encerrando.

Um comentário:

la brunette disse...

unhóooo.

Nelson Rodrigues pode TUDO.

aliás, o sartre, pra mim, so era stalinista pra comer as aluninhas.