terça-feira, 30 de setembro de 2008

L'État c'êmu nóis!

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ou A Bruzandaga Vermelha II

Nada define melhor o espírito do absolutismo que aquela frase dita por Colbert a Luís XIV (cito de cabeça): "As manufaturas são os canhões de Vossa Majestade, e os comerciantes, suas divisões." Eram comerciantes ou artesãos? Já existiam divisões naquela época? Não importa. O que interessa aqui é o seguinte: em um regime liberal-burguês (hshshsh), a economia de mercado é um fim em si mesma; no modelo absolutista, está a serviço de finalidades que lhe são estranhas.

Me explico: para um liberal da velha cepa, a livre iniciativa possui uma dimensão axiológica que se sobrepõe a seu aspecto, digamos, instrumental. Me explico melhor: o que importa é que cada um tenha o direito de produzir riqueza livremente, de ser proprietário dos frutos de seu trabalho e de utilizar-se deles para buscar a felicidade como entender melhor, sem interferência estatal. O fato de que uma economia organizada em torno desses princípios produz riqueza de forma mais eficiente é meramente incidental.

A lógica colbertista inverte a equação: aceita-se o regime de livre-iniciativa apenas porque produz mais riqueza; e essa riqueza não se destina ao bem-estar material dos indivídios, serve para financiar a persecução de objetivos políticos - o que, quase sempre, envolve guerras, que são coisas caras. Eis algo que se sabe desde o surgimento do capitalismo: uma economia liberal pode perfeitamente servir a finalidades não-liberais.

Certo marxismo pedestre (ou eqüestre) entende o socialismo como um projeto estritamente econômico - o que não é possível sem que se ignore seus antecedêntes históricos (jacobinismo, babovismo, blanquismo) e filosóficos (Hegel). A maioria dos ditos "neoliberais" propõe, de forma igualmente bovina, que se retire do liberalismo sua dimensão política. Estes aliam-se alegres a ditadores como Pinochet; aqueles, ruminam tristemente sua estupefação com o fenômeno chinês.

A China, aliás, é o exemplo manualesco disso de que estou falando. Mas vamos a um caso mais próximo (a partir daqui, este texto explica o anterior). Se José Dircei foi o Richelieu da Bruzundanga, é natural que Pallocci seja o Colbert de Ribeirão Preto. A tão incensada conversão do PT à economia de mercado, à responsabilidade fiscal e ao bom senso só pode ser compreendida se tivermos em mente que o partido veicula um projeto essencialmente político - e apenas conjunturalmente econômico. Os idiotas da objetividade rodrigueanos perguntarão: se tal projeto não contempla necessariamente uma economia planificada, consiste então em que? Os emprestimos do BNDES ao Equador e a esculhambação institucional de que falei abaixo podem dar uma idéia, mas não sejamos nós idiotas da objetividade. Afinal, por acaso é novidade um programa político utopista transformar-se em projeto de poder cínico, envolto em palavras de ordem vazias de significado?






quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Mais-valia de Estado

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Não, não me espanta que o Equador esteja dando calote no BNDES. O que me espanta é que o BNDES tenha emprestado ao Equador! Na verdade, como de costume, o que me espanta mais é que não haja espanto.

Vamos lá, ao óbvio: qualquer marxista de botequim conhece a conversa da mais-valia; posto que todo o valor é conferido pelo trabalho, a diferença entre o que se paga ao trabalhador e o valor que se agrega à mercadoria é expropriação, é roubo e nada menos. Assim, há hordas de esquerdistas prontos a vociferar contra a exploração dos trabalhadores feita pelos proprietários que - absurdo! - lucram.

O que ninguém estranha, o que não merece um suspiro de espanto, um sussurro de indignação -- é que o Estado tome parte do salário de todos os trabalhadores para repassá-la ao empresariado. Sim, é exatamente isso que se faz com o FGTS: essa poupança forçada serve, entre outras coisas, para que o BNDES empreste a juros subsidiados à Odebrecht. Emprestar a juros inferiores aos de mercado não é senão fazer uma doação velada.

No caso do Equador, junta-se à generosidade com as grandes empresas nacionais o imperialismo condescendente do governo com relação aos "irmãos menores" (o termo é de Lula) da América Latina -- desde que tenham eleito governos esquerdistas, claro. Ou seja, a poupancinha (forçada) do assalariado brasileiro financia não só as grandes empreiteiras nacionais, mas também as veleidades expansionistas do Grande Timoneiro.

E ninguém se queixa.

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Então Lula, o Contemporizador da América, diz na televisão que vai dar um telefonema ao Rafael e resolver isso, "como os dirigentes civilizados fazerm". Não, não é assim que fazem dirigentes civilizados! Assim fazem caciques, rufiões e tiranetes de repúblicas bananeiras. Dirigentes civilizados resolvem crises através das leis e instituições, não em conversas ao pé do ouvido.

Os 240 milhões não são nada perto do de aviltamento das instituições promovido pelo Lulismo e assemelhados. Estão fundando, na América do Sul, a URETACO - União das Repúbicas do Tapinha nas Costas.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Kadhafi, um liberal.

Não há o que não haja.

Segundo esta reportagem do Le Monde e esta do Libération, o Guia da Revolução na Líbia virou de repente um leibertário. Kadhafi cansou de ouvir reclamações sobre a ineficiência e corrupção de seus ministérios, então resolveu mandar fechar o governo: «Vous accusez à chaque fois les comités populaires [ministères, ndlr] de corruption et de mauvaise gestion. Nous n’allons pas en finir avec ces plaintes. Donc que chacun ait sa part dans sa poche et qu’il se débrouille.» (Libération) Isso mesmo: o orçamento dos ministérios (lá, eles chamam de "comitês populares" - a/c PT/Poa) será repassado diretamente à população, e que cada um dê jeito de cuidar da própria educação, saúde, etc. "L'argent que nous mettons dans le budget de l'éducation, je dis laissons les Libyens le prendre. Mettez-le dans vos poches et éduquez vos enfants comme vous voulez, prenez-en la responsabilité !" (Le Monde)


Ainda não consegui decidir se isso é a versão Líbia do bolsa-família, o liberalismo possível em um país que vive só de Petróleo ou simplesmente um delírio populista.

Como disse Robert Fields: Para todo problema complexo há uma solução simples - e errada.