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ou A Bruzandaga Vermelha II
Nada define melhor o espírito do absolutismo que aquela frase dita por Colbert a Luís XIV (cito de cabeça): "As manufaturas são os canhões de Vossa Majestade, e os comerciantes, suas divisões." Eram comerciantes ou artesãos? Já existiam divisões naquela época? Não importa. O que interessa aqui é o seguinte: em um regime liberal-burguês (hshshsh), a economia de mercado é um fim em si mesma; no modelo absolutista, está a serviço de finalidades que lhe são estranhas.
Me explico: para um liberal da velha cepa, a livre iniciativa possui uma dimensão axiológica que se sobrepõe a seu aspecto, digamos, instrumental. Me explico melhor: o que importa é que cada um tenha o direito de produzir riqueza livremente, de ser proprietário dos frutos de seu trabalho e de utilizar-se deles para buscar a felicidade como entender melhor, sem interferência estatal. O fato de que uma economia organizada em torno desses princípios produz riqueza de forma mais eficiente é meramente incidental.
A lógica colbertista inverte a equação: aceita-se o regime de livre-iniciativa apenas porque produz mais riqueza; e essa riqueza não se destina ao bem-estar material dos indivídios, serve para financiar a persecução de objetivos políticos - o que, quase sempre, envolve guerras, que são coisas caras. Eis algo que se sabe desde o surgimento do capitalismo: uma economia liberal pode perfeitamente servir a finalidades não-liberais.
Certo marxismo pedestre (ou eqüestre) entende o socialismo como um projeto estritamente econômico - o que não é possível sem que se ignore seus antecedêntes históricos (jacobinismo, babovismo, blanquismo) e filosóficos (Hegel). A maioria dos ditos "neoliberais" propõe, de forma igualmente bovina, que se retire do liberalismo sua dimensão política. Estes aliam-se alegres a ditadores como Pinochet; aqueles, ruminam tristemente sua estupefação com o fenômeno chinês.
A China, aliás, é o exemplo manualesco disso de que estou falando. Mas vamos a um caso mais próximo (a partir daqui, este texto explica o anterior). Se José Dircei foi o Richelieu da Bruzundanga, é natural que Pallocci seja o Colbert de Ribeirão Preto. A tão incensada conversão do PT à economia de mercado, à responsabilidade fiscal e ao bom senso só pode ser compreendida se tivermos em mente que o partido veicula um projeto essencialmente político - e apenas conjunturalmente econômico. Os idiotas da objetividade rodrigueanos perguntarão: se tal projeto não contempla necessariamente uma economia planificada, consiste então em que? Os emprestimos do BNDES ao Equador e a esculhambação institucional de que falei abaixo podem dar uma idéia, mas não sejamos nós idiotas da objetividade. Afinal, por acaso é novidade um programa político utopista transformar-se em projeto de poder cínico, envolto em palavras de ordem vazias de significado?

ou A Bruzandaga Vermelha II
Nada define melhor o espírito do absolutismo que aquela frase dita por Colbert a Luís XIV (cito de cabeça): "As manufaturas são os canhões de Vossa Majestade, e os comerciantes, suas divisões." Eram comerciantes ou artesãos? Já existiam divisões naquela época? Não importa. O que interessa aqui é o seguinte: em um regime liberal-burguês (hshshsh), a economia de mercado é um fim em si mesma; no modelo absolutista, está a serviço de finalidades que lhe são estranhas.
Me explico: para um liberal da velha cepa, a livre iniciativa possui uma dimensão axiológica que se sobrepõe a seu aspecto, digamos, instrumental. Me explico melhor: o que importa é que cada um tenha o direito de produzir riqueza livremente, de ser proprietário dos frutos de seu trabalho e de utilizar-se deles para buscar a felicidade como entender melhor, sem interferência estatal. O fato de que uma economia organizada em torno desses princípios produz riqueza de forma mais eficiente é meramente incidental.
A lógica colbertista inverte a equação: aceita-se o regime de livre-iniciativa apenas porque produz mais riqueza; e essa riqueza não se destina ao bem-estar material dos indivídios, serve para financiar a persecução de objetivos políticos - o que, quase sempre, envolve guerras, que são coisas caras. Eis algo que se sabe desde o surgimento do capitalismo: uma economia liberal pode perfeitamente servir a finalidades não-liberais.
Certo marxismo pedestre (ou eqüestre) entende o socialismo como um projeto estritamente econômico - o que não é possível sem que se ignore seus antecedêntes históricos (jacobinismo, babovismo, blanquismo) e filosóficos (Hegel). A maioria dos ditos "neoliberais" propõe, de forma igualmente bovina, que se retire do liberalismo sua dimensão política. Estes aliam-se alegres a ditadores como Pinochet; aqueles, ruminam tristemente sua estupefação com o fenômeno chinês.
A China, aliás, é o exemplo manualesco disso de que estou falando. Mas vamos a um caso mais próximo (a partir daqui, este texto explica o anterior). Se José Dircei foi o Richelieu da Bruzundanga, é natural que Pallocci seja o Colbert de Ribeirão Preto. A tão incensada conversão do PT à economia de mercado, à responsabilidade fiscal e ao bom senso só pode ser compreendida se tivermos em mente que o partido veicula um projeto essencialmente político - e apenas conjunturalmente econômico. Os idiotas da objetividade rodrigueanos perguntarão: se tal projeto não contempla necessariamente uma economia planificada, consiste então em que? Os emprestimos do BNDES ao Equador e a esculhambação institucional de que falei abaixo podem dar uma idéia, mas não sejamos nós idiotas da objetividade. Afinal, por acaso é novidade um programa político utopista transformar-se em projeto de poder cínico, envolto em palavras de ordem vazias de significado?
