segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O Novo Bretton Woods

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Sarkozy só tem me dado dissabores, é uma decepção atrás da outra. Aquele seu americanofilismo um tanto caipira - uma caipirice bem francesa, claro, com aquele pli meio blasé - parecia prenunciar, sei lá, um Toqueville rústico. Talvez fosse ele a enterrar de vez os soixant-huitards, o que redimiria seu deslumbramento de petit caporal com a presidência da França e as pernas de Carla Bruni. Honni soit qui mal y pense!

Mas quê! Mal começa a crise econômica e o sujeitinho se revela um gaulista de esporas e penacho: de cara saiu propondo "um novo Bretton Woods" - como se a França já não tivesse sido convidada para o primeiro apenas por cortesia - e a reforma do capitalismo global. Acho que se aplica aos gaulistas o que Borges disse dos peronistas: não são nem bons nem maus, simplemente son incorregibles.

Mas, já que virou moda dizer por aí que a solução para a economia global é desmanchar e fazer de novo, em moldes keynesianos, parto para mais uma batalha na minha guerra infatigável em favor do óbvio.

Para começar, Bretton Woods foi o maior e mais rumoroso desacontecimento do século 20. Em termos institucionais, o acordo baseava-se no seguinte tripé: o Banco Mundial, que depois da reconstrução da Europa passou a financiar metrôs no terceiro mundo; a OMC, que só foi fundada em 1990 e em 2008 está completamente desacreditada; e o FMI que... bem, que dizer do FMI como promotor de políticas keynesianas? Fora isso, instituiu-se o padrão-ouro para o dólar, uma bobagem que atrasou a economia mundial até Nixon jogá-la no lixo e... bem, e anunciaram-se cornucópias de boas intenções, Oh Boy! Oh Boy!, uma prosperidade de longo-prazo jamais vista pela humanidade.

Tenho um ceticismo quase humeano quando se trata de análises econômicas. Os Keynesianos em especial, quando falam do pós-guerra, parecem certos médicos medievais: aplicam ao doente sangrias, laxantes, emplastros imundos e todo tipo de veneno, e quando o sujeito se cura, apesar do tratamento, tomam isso como prova insofismável de sua eficácia. Querem um novo Bretton Woods quando sequer são capazes de demonstrar que o primeiro serviu para alguma coisa.

Mas, supondo que seja possível compreender a dinâmica da crise atual e a daquela de 1929, o que salta aos olhos são as diferenças. Antes os países industrializados, superavitários, vendiam para as economias agrárias, ao mesmo tempo que emprestavam o numerário com que essas transações eram pagas. Bastava uma decisão dos investidores de cortar o crédito para o sistema colapsar. Hoje, bem ao contrário, o(s) déficit(s) da maior economia do mundo, emissora da moeda-padrão global, são sustentados pela compra de títulos americanos por governos do sudeste asiático, em especial a China. Até há pouco tempo temia-se que os chineses - oh! - resolvessem deixar de financiar o déficit americano, ou parassem de produzir os eletrônicos baratos que seguram a inflação em tantos lugares. Antes disso, os americanos decidiram estancar os gastos. É, sim, um problema. Mas, no mundo de hoje, é plausível que falte quem queira fazer políticas deficitárias? Na melhor das hipóteses - para esses keynesianos de meia-pataca - o "Novo Bretton Woods" será um acordo entre China e Estados Unidos, com rubricas ao pé da página de alemães e alguns tigres asiáticos. Ao resto do mundo caberá apenas assistir, atento à oferta de crédito e ao preço das commodities.

Mas nada disso interessa. Sarkozy verbaliza a vontade que tantos líderes nacionais têm de fazer história - quer a História precise deles, quer não. Pode até ser que consigam, que meia-dúzia de presidentes e chanceleres se reúnam em algum lugar para instaurar uma Nova Ordem Mundial - e que, em 50 anos, os livros de história registrem o fato como o nascimento de uma nova era. Mas e economia - e a política - mundiais seguirão adiante, com seus percalços e solavancos. Os cães ladrarão e a caravana passará.